Londres. Tóquio. Nova York. Iraque. Iraque? Nossa, não tinha a mínima idéia do que escolher. Tinham me ligado dizendo que eu teria ganhado uma viagem para onde eu quisesse. De avião, claro. Claro, tinha que ser.Meu nome é Amy, por sinal. Era uma sexta feira 13 quando eu resolvi embarcar no vôo das 15:00 h para Londres. Não acredito em superstições, mas confesso que estava um pouco... assustada. O aeroporto já tinha sido avisado da minha promoção, explicada como “bônus do cartão de crédito.” Finalmente os presentes de Natal tinham vindo a calhar. Então, o vôo 269 da Compania Aérea Internacional Flight decolou comigo e com mais 44 passageiros. Lá dentro, pelo menos na 1ª classe, era calmo e agradável, logo depois do barulho horrível das turbinas e motores no momento em que decolamos. Tinha televisão, barzinho e era espaçoso e muito bonito. Tudo estava perfeito. Eu fiquei na janela, por sorte. Ao meu lado estava um homem muito atraente e bem vestido, e seu perfume era ótimo. Ele me perguntou as horas e, durante muito tempo, não falou mais nada. Na volta da minha ida ao banheiro, me lembro de ter visto uma aeromoça me olhar com ódio, de relance. Mas era um ódio profundo e duradouro, quase rancor. Mas eu nunca tinha visto aquela mulher na vida, então nem me preocupei. Sentei-me e o homem, que se chamava Evan por sinal, começou a falar sobre sequestros e tal, e eu achei tudo muito estranho. Ele me perguntava coisas do tipo “você já foi sequestrada? algum filho sequestrado? sabe como é horrível?”,coisas sem sentido. Não, eu nunca tinha sido sequestrada, a pior coisa que tinha acontecido foi quando meu peixe morreu. Eu tinha 23 anos, uma vida pela frente e tudo, e não ia deixar aquele homem estragar minha viagem com aquele papo de doido. Então, pedi licença e disse que ia ir ao barzinho. Sozinha. Ele me seguiu com os olhos. Por um momento, eu vi aquele mesmo olhar de ódio na minha direção, mas quando virei novamente, ele sorriu. Tomei três taças de vinho tinto e quando olhei para o lado, Evan estava lá. Sim, eu me assustei e me engasguei com o vinho, ora, aquele sujeito estava me seguindo! Imediatamente ele disse que era melhor voltarmos a nos sentar. Não discuti, ele poderia ser perigoso. Então, todas as luzes se apagaram. Começou uma terrível turbulência e eu fiquei em pânico, não sabia o que fazer. Minha tia-avó havia morrido numa dessas, desde então eu tinha pavor de aviões. Para falar a verdade, só tinha ido nessa viagem porque era de graça. Enfim, o avião parecia um aviãozinho de papel nas mãos de uma criança, porque estava tão horrível que as máscaras de oxigênio desceram. Depois que tirei a máscara, e tudo voltou ao normal, o homem não estava lá. Na verdade, tudo estava diferente. As cores, o bar, os passageiros, não eram os mesmos. Eu estava normal, mas todo o resto ao meu redor tinha mudado. Mas o pior é que eu estava a muitos metros da superfície, e ninguém poderia me salvar. Eu não sabia se estava louca, doente, sonhando ou com sono. Ou envenenada. Na mesma hora, lembrei do vinho que tinha tomado, Três vezes. Ai, como podia ter sido tão estúpida?Não se aceita nada de estranhos, mesmo dentro do avião. “Imagina, eu, drogada, num avião, indo para Londres. Ótimo.”, pensei, sem saber o que fazer. Então, um homem sentou-se ao meu lado. Não era Evan, mas sim Adam, e isso foi descoberto por mim no meio de umas das conversas sobre assassinato. Quase sequestro, pensei. Ele era muito semelhante ao Evan, e eu não gostei disso. Tentei desviar minha atenção, em meio das palavras ‘morte’, ‘dor’, ‘culpa’ e entre outras, usadas muitas vezes por Adam. Pedi licença de novo para ir ao banheiro. Notei que as aeromoças também haviam mudado. “Isso é loucura”. Entrei no banheiro, tranquei a porta, lavei o rosto. “Droga, borrei o rímel”. Ah, isso não tinha importância, eu podia até morrer naquele avião. Bochechei, cuspi, sequei o rosto, arrumei meus brincos e abri a porta. “Ah, não. Não, não, não, não. Tudo mudou de novo...?!?” Meu Deus, nem na água da pia dava para confiar! Meu lugar estava ocupado por uma senhora de cabelos ruivos e cheia de tatuagens. Procurei um lugar vazio e esfreguei as têmporas. Mas que tipo de avião era aquele? Então, veio o pior. Jogaram-me no chão e começaram a me espancar. Naquele momento, eu estaria passando pelo inferno. Eu perdi muito sangue, gritava, sem entender como uma viagem tão especial havia se tornado uma sessão de tortura. Quando pararam, eu estava quase desmaiada, lágrimas e sangue ‘lavando’ meu rosto. Arrastaram-me até o lugar das bagagens e me deixaram lá, semimorta, lutando pela minha vida. Meus pensamentos de dúvida doíam na minha cabeça latejante, até eu finalmente adormecer, de tanto chorar. Ninguém nunca acreditaria, afinal não há nenhuma testemunha, somente eu. Mas vale tentar. Acordei no mesmo assento que eu tinha sentado da primeira vez que entrei nesse avião macabro.Óbvio que eu estava tonta, sem entender que raio de droga teriam me dado, e nem por quê. Evan não estava ali. Então aconteceu uma coisa que eu não saberia explicar, talvez fosse o efeito das drogas: todos viraram para mim e seus rostos se contorceram para baixo surrealmente, como se chorassem lágrimas negras e seus traços faciais fossem com elas. Foi horrível. Gritei e apertei minha cabeça entre as mãos, fechando os olhos. Abri, e tudo estava normal. Aterrissamos, Londres é lindo, nunca mais vi Evan, Adam nem ninguém daquele vôo 269. Hoje em dia sou aeromoça. Entenda como quiser.
Era outra noite de inverno, fria, chuvosa, e fui a casa de um amigo assistir alguns filmes. Não me recordo de muitos detalhes daquela noite, apenas lembro de um grande estou, seguido de uma escuridão. Após um longo silêncio fomos até os dijuntores para religar a energia. Enquanto descíamos do andar onde os dijuntores estavam, iniciou-se uma brincadeira de empurra-empurra. Quando empurrei meu amigo, ele perdeu o equilíbrio e caiu. Sutil, o sangue fluía pela escadaria.
Após o acontecimento, liguei para a polícia comparecer ao local, nervoso, com o telefone tremendo em minhas mãos. Conforme o polícial ia me fazendo as perguntas do interrogatório, começava a me perguntar se seria melhor mentir ou falar a verdade. Perguntavam por que eu estava ali, qual a minha relação com a vítima. Tentava esconder que o empurrei, mas certamente mentir não era um dos meus talentos. Minha boca falava coisas sem pensar, sem sentido, enquanto meus olhos entregavam a verdade.
Hoje, exatamente um ano depois, estou em casa, assistindo a um filme, porém sozinho. Não fui condenado como culpado, o caso ficou arquivado juntamente com os outros de mortes acidentais. Minhas notas caíram na faculdade, estou isolado de todos, não consigo mais passar pela rua onde ele morava, sentia a culpa cada dia maior. Havia arruinado uma família, matado o filho único, levando a mãe dele a loucura, chegando ao ponto de se suicidar, deixando o marido sozinho, tento que lidar com a dor dessas perdas diariamente.
Enquanto pensava sobre isso, sem dar a mínima atenção para o filme, ouvi um estouro na porta, vindo do lado de fora. Dei pause no filme, larguei o controle sobre a mesa e lentamente fui ver o que havi causado tal barulho. Ao chegar na porta, suava frio, sentia um frio na minha barriga. Abri a porta, mas não havia nada lá, com excessão da escuridão da noite, e um cachorro provavelmente sem dono procurando por algo no lixo. Soltei o ar lentamente, com um pequeno sorriso, feliz, fechei a porta. Assim que a fechei, um ruído alto veio da sala, parecia o som de algumas pessoas conversando. Andei até lá e me deparei com a televisão ligada, passando o filme, senti um arrepio cindo da minha cabeça até meus pés, ficando mais intenso assim que percorria pela minha espinha. Não sentia o chão, estava tonto. Fui correndo, ainda sem equilíbrio, para desligar a televisão, apertei o botão vermelho do controle remoto, nada acontecera. Puxei a tomada da televisão da parede, ela havia desligado, o silêncio começou a predominar na casa. Olhava, apavorado, sem reações para o chão. Só conseguia pensar no acidente.
Corri para o meu quarto, olhei para o espelho para ver se estava bem, se não estava louco ou algo semelhante. Enquanto recuperava meu fôlego, meus batimentos cardíacos, minha consciência, vi um vulto passar por trás de mim no corredor. A sensação voltara, o pânico, a agonia, a vontade de sair logo de minha casa. Meus pensamentos eram instáveis, não sabia se descia ou ficava ali, se ligava para um amigo ou se chamava alguém na rua. Decidi descer, ter certeza do que estava acontecendo ali.
Me aproximei das escadas, antes de descer enxergava manchas de sangue nela inteira. Desci o resto da escada lentamente, com medo de encontrar algo. Já sabia do que se tratava. Fui até onde assistia televisão para pegar o telefone, já que estava caído debaixo da minha mesa de centro de madeira restaurada. Assim que coloquei a minha mão embaixo dela para procurar o telefone, algo me tocou, era algo gelado, tentei sentir para saber o que era, mas o medo falou mais forte, acabei tirando minha mão dali. Quando a retirei, a luz havia acabado. Um breve relâmpago iluminou a sala, podia sentir uma respiração próxima de mim, um vulto estava sentado no sofá, assim que me virei não havia mais nada lá. Desesperado, com os olhos cheios de água, sem saber o que falar, pensar ou fazer. Quando menos esperava, a energia voltou, iluminando as paredes cheias de sangue com mensagens dizendo que eu era o culpado, e teria que pagar por isso. Sentei no chão, a ponto de não aguentar mais. Fui indo para trás, ainda sentado, havia encostado em algo, levantei rapidamente e olhei o que estava ali. Era o mesmo vulto, olhando diretamente para mim com uma expressão raivosa, era o meu amigo que eu havia derrubado da escadaria, ele estava com o pescoço torto, provavelmente porque havia o quebrado na queda. Percebi o vulto se aproximando de mim.
- Para com isso! - Gritei. Provavelmente meu grito ecoou pela quadra inteira.
Abri os olhos e mais nada daquilo estava lá. Havia me decidido, iria falar a verdade no dia seguinte, talvez fosse isso que ele queria, talvez fosse minha mente brigando comigo, mas hoje percebi a importância da verdade. Para algumas tribos a verdade e a mentira estão em portas separadas, uma ao lado da outra, só precisamos decidir em qual querermos entrar. Acho que já escolhi a minha.
Os primeiros trabalhadores começaram a sair de suas casas com um ar desanimado. Todos eram aparentemente iguais, porém um deles, um homem forte e brabudo, chamou sua atenção.
Ela pigarreou duas vezes seguidas e os homens olharam, dando sorrisos maliciosos e corriqueiros. E, novamente, o homem barbudo despertou seu interesse. Ele não havia sequer dirigido um olhar para aquela loira, que mais parecia uma modelo.
Observando tudo de longe por uma grande janela, estava o chefe de ambos. Ele sorriu misteriosamente e acendeu um cigarro. Seu telefone tocou. Era a mulher.
- Alô?
- Oi, aqui é a Paula.
- Paula, que surpresa! Vai voltar a ser minha editora-chefe?
- É, era isso que eu ia dizer - sua voz parecia desanimada. - Estou chegando na redação agora mesmo.
O Patrão desligou o telefone sem mais uma palavra. Tudo corria bem.
Paula conseguiu, finalmente, conversar com o homem da rua. Seu nome era Jeff Harris, um jornalista que estava crescendo no jornal Fuga Matinal - curioso nome, pensam todos - porém nunca caiu nas graças do Patrão.
Jeff estava visivelmente impressionado com a atenção da editora-chefe. O que ele não sabia que tudo iria mudar.
A linda loira bateu delicadamente na porta de Jorge Vidal, o poderoso dono do jornal. Ele sorriu assustadoramente ao vê-la, provocando calafrios em todo o seu corpo.
O Patrão começou um vertiginoso discurso sobre a falta que Paula Fernandes havia feito na redação e que o substituto de seu cargo não tinha a metade de competência que ela possuía. Um dom natural, continuou Vidal. O Patrão moveu suas mãos. Uma luz forte refletiu nos olhos de Paula, cegando-a completamente. Sentiu as mãos quentes como brasa de um homem acariciando sua face, seu corpo.
A mulher quis gritar, mas não encontrou forças para nada. Deixou que aquele monstro a violentasse. Sentiu que havia uma venda em seus olhos e depois sentiu que a tortura havia acabado.
Após o que pareceram algumas horas, Paula retirou o pano - que tinha um cheiro forte de bebida alcoólica. Estava no mesmo lugar onde tudo havia começado. Levantou-se com dificuldade e não avistou ninguém por perto. Parecia um sonho, mas as dores estavam ali, queimando o que havia por dentro.
Descia os pequenos degraus da sala de Jorge, até que ouviu um abrupto estalo - um tiro. A bala cravou em seu coração fria e lentamente, trazendo uma dor lancinante. Pôde ver Jeff acariciando o revólver que, um tempos antes, estava em sua bolsa vermela cravejada de diamantes.
- Planejava mortes para hoje, não? - zombou o homem com sua voz grave.
- O... quê? perguntou Paula, fingindo ingenuidade.
- Logo que vi você, entendi o que veio fazer. Primeiro, roubar o lugar que estava sendo ocupado por mim. Segundo, matar Jorge Vidal. Mas não importa mais. Ele tinha seus próprios planos para com você e eu sabia deles. Me lembre de perguntar a ele se deu tudo certo. Pelo visto, sim - ele riu estrondosamente, fazendo a moça tremer. - Ninguém é mais esperto que o Patrão, linda Paula.
A mulher avançou em direção de Jeff, com um lampejo ne raiva no olhar. Ele riu e atirou mais duas vezes contra Paula e ela caiu.
Sutil, fluía o sangue pela escadaria. O homem fez uma expressão sarcástica e se dirigiu ao cadáver:
- Todos sabem que Jorge nunca foi muito ético, mas matá-lo? Um absurdo. Vá para o inferno.
Horas depois, Matías, um mensageiro, encontrou o cadáver gelado de Paula.
Jeff, executando sua função de editor-chefe, sorriu calmamente e voltou a ler um artigo de Fuga Matinal.
- Bom dia! - disse para uma senhora que atravessava a redação desesperada. A mãe de Paula, presumiu. Sorriu novamente. Ela saiu sem responder.
'Bom dia', pensou Jorge Vidal, no avião rumo à Paris. Mais precisamente, voo 447, Companhia Aérea Air France.